segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Notas sobre o comércio Brasil-Iraque, por Fabrício Henricco Chagas Bastos

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e Câmara de Comércio e Indústria Brasil Iraque, 2010.

O Iraque, conhecido por ser berço da civilização e também pelas ricas reservas de petróleo, nos últimos anos tem recebido uma alcunha não condizente com seu passado de realizações, seja ao mundo muçulmano, seja à humanidade.

Contudo, desde 2003 o país busca estruturar-se e recomeçar. Por isso, propõe-se neste artigo lançar luz sobre um outro Iraque, não apenas marcado pelo conflito, mas como ator internacional em reconstrução e prenhe de reerguer sua economia, apoiando-se em parceiros estratégicos, como pode figurar o Brasil.

O fim do embargo ao Iraque foi decretado pela Organização das Nações Unidas em maio daquele ano, após a queda do regime de Saddam Hussein. Então, um governo de ocupação provisório foi instalado, sob a tutela dos Estados Unidos, e iniciou-se um processo de atração de investimentos e grupos do mundo todo para possibilitar a reconstrução do país. Soma-se a isto o fato de em dezembro de 2010 o Conselho de Segurança da ONU (CSNU) reconhecer “a importância do Iraque alcançar prestígio internacional, igual ao que detinha antes da adoção da Resolução 661” (UN, 2011a).

O espírito de reconstrução e retomada iraquiano pode ser captado nas palavras do vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que presidiu a sessão do CSNU, ao dizer que se trata de “um importante marco para o governo do Iraque e ao povo do Iraque nos seus esforços contínuos para deixar para trás o seu passado conturbado e abraçar um futuro muito brilhante”, e também que com “as três resoluções que passamos colocamos um fim aos resquícios opressivos da sombria era de Saddam Hussein” (LEDERER, 2010).

Diante da destruição e do sucateamento de diversos setores econômicos, que pode ser creditada ao ambiente de guerra dos anos 1980 e ao fechamento do mercado iraquiano por quase treze anos (1990-2003), o governo do Iraque tem aberto constantemente licitações mundiais para questões concernentes à reconstrução e modernização do país. Não só, a indústria do petróleo, principal riqueza e motor da economia iraquiana, têm recebido maciços investimentos para que possa recuperar seu vigor produtivo.

Interessante observar o fato de que o orçamento de reconstrução iraquiano, que ultrapassa a casa dos 500 bilhões de dólares, já começa a mostrar resultados, apesar de não ter completado uma década. Cabe ressaltar que o país possui uma população de quase 30 milhões de habitantes, o equivalente a nove países da região. Ademais, os constantes investimentos de países interessados nesse processo vêm ocorrendo, incentivados por ações como a do governo do estado autônomo do Curdistão, que aprovou moderna regulação de investimentos estrangeiros na região.

Como resultado desses investimentos, o Iraque vem desenvolvendo não apenas sua estrutura interna básica, mas também seu potencial exportador e importador, ao remodelar aeroportos e portos do país, possibilitando a troca de produtos de maneira direta, sem trânsito por seus países vizinhos – o chamado comércio triangular. Com isso, aeroportos internacionais como os de Bagdá, Erbil, Sulaimaniyah e Najaf já realizam vôos diretos para diversas cidades do Oriente Médio e Europa, e portos como o de Umm Qasr vêm passando por uma expansão qualitativa e quantitativa.

O relacionamento entre Brasil e Iraque pode, em um primeiro momento, soar tão distante quanto as bombas que ecoaram pelo país árabe há alguns anos. No entanto, uma análise mais acurada do dinamismo das relações de comércio permite afirmar que o Brasil foi, e continua sendo, importante parceiro, diversamente do que um rápido julgamento poderia supor (FARES, 2008).

Pela primeira vez, em outubro de 2010, o Brasil viu seu saldo na balança comercial com o Iraque atingir níveis superavitários, alcançando a marca de 1,2 bilhões de dólares, frente aos 42 milhões de dólares intercambiados em 2003. Ao final do ano o fluxo comercial atingiu US$ 1,4 bilhão, tendo como principais componentes da cesta de exportações: alimentos (carnes, cereais e açúcar), autopeças, máquinas agrícolas e equipamentos hospitalares (MDIC, 2010).

Também, é importante ressaltar as vantagens históricas do Brasil junto ao mercado iraquiano, dado que o país detém grandes prerrogativas políticas aos seus produtos e serviços na concorrência em licitações governamentais e privadas.

Uma ótima referência da imagem brasileira ao mercado iraquiano são as antigas relações bilaterais – na década de 80, por exemplo, o Brasil enviou profissionais e seus familiares na ordem de 170.000 pessoas para auxiliar na construção de grandes obras públicas no Iraque, além de ter exportado uma grande quantidade de veículos Volkswagen Passat produzidos no Brasil, conhecidos em solo iraquiano como “Brasili”, um dos carros de maior sucesso e durabilidade no país.

Com a expansão de investimentos e capacidade tecnológica do Brasil nos últimos anos, não só bens de consumo têm espaço no mercado iraquiano. A Petrobras é uma das grandes brasileiras que pode obter sucesso naquele país.

Segundo o Ministro de Política Energética do Iraque, Hussain Al-Shahristani, “empresas da China, Coréia do Sul e Europa estão interessadas, mas também gostaríamos de ter a Petrobras envolvida devido à sua importância” (IBN, 2011). Isto se dá pelo fato de que o país está aumentando sua produção de petróleo, no entanto, falta-lhe capacidade de refino para derivados de maior valor agregado, como gasolina e diesel. Atualmente o Iraque detém cerca de 143 bilhões de barris de reservas comprovadas, e planeja construir quatro novas refinarias para elevar sua capacidade a 750.000 barris por dia.

Certamente, após o conjunto das resoluções 1956 a 1958, de dezembro de 2010, cuja implementação se dá a partir de julho de 2011, a capacidade de investimento do país aumentará significativamente, incrementando os 90 bilhões de dólares orçamentários programados para o ano de 2011.

A complementaridade das economias é patente e não só no que tange aos dois países, é sabido que América do Sul e Oriente Médio possuem oportunidades expressivas ao comércio. Desvela-se ao Brasil um mercado aberto, regulado e com inúmeras opções setoriais, seja por seus anos de clausura, ou por seu amplo poder de compra, cujas transações comerciais em 2010 corresponderam a 15% do comércio Brasil Oriente Médio.

REFERÊNCIAS

  • CÂMARA DE COMÉRCIO E INDÚSTRIA BRASIL IRAQUE – CCIBI. Anuário Estatístico 2010. CCIBI: São Paulo, 2010.
  • FARES, Seme Taleb (2007). “O Pragmatismo do Petróleo: as relações entre o Brasil e o Iraque”. Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 50, nº 2, pp. 129-145, 2007.
  • HALLIDAY, Fred (2005). The Middle East in International Relations: power, politics and ideology. New York: Cambridge University Press.
  • IRAQ BUSINESS NEWS – IBN. Iraq Wants Petrobras to Invest in Refining. Disponível em: . Acesso em: 02 fev. 2011.
  • LEDERER, E. M. UN lifts key sanctions against Iraq. Associated Press. Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2011.
  • LEWIS, Bernard (1996). O Oriente Médio: do advento do cristianismo aos dias de hoje. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
  • MILLER, Judith; MYLORIE, Laurie (1990). Saddam Hussein and the Crisis in the Gulf. New York: Times Books.
  • MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR – MDIC. Balança Comercial 2010 – dados consolidados. Brasília, DF: MDIC, 2010.
  • UNITED NATIONS. Security Council. S/RES/1956 (2010). Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2011. 2011a.
  • UNITED NATIONS. Security Council. S/RES/1957 (2010). Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2011. 2011b.
  • UNITED NATIONS. Security Council. S/RES/1958 (2010). Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2011. 2011c.

Fabrício Henricco Chagas Bastos é Pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo – Nupri/USP (fabriciohbastos@usp.br).


Fonte: http://mundorama.net/2011/02/04/notas-sobre-o-comercio-brasil-iraque-por-fabricio-henricco-chagas-bastos/

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