quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

A atuação de organismos na construção do Mercosul



Nilton Bobato *

No artigo da semana passada afirmei que falaria hoje sobre a Unila – Universidade Federal da Integração Latino-Americana, no entanto recebi um comentário efetuado pelo camarada Mário Sérgio, de Maracanaú (CE), que faz mestrado em Ciudad del Este, no Paraguai, e que entre outros questionamentos cravou: “Por que a Capes não tem uma posição clara sobre revalidação no Brasil de títulos de mestrado e doutorado cursados nos países de língua espanhola como o Paraguai?

O que está por trás dos empecilhos criados pela Capes no Brasil, já que há um incentivo do próprio acordo do Mercosul para que estudantes façam cursos através desta integração?” Ele conclui dizendo que está estarrecido com a Capes.

Só informando: Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, é órgão do Ministério da Educação, que entre outras funções, fiscaliza a implementação de cursos de pós-graduação no país e executa políticas que implicam acordos de cooperação educacionais internacionais.

Não tenho procuração para defender a Capes, até porque não acompanho suas atividades, mas é sempre preocupante quando adotamos uma visão simplista de que um único organismo seja responsável pela não execução de determinados sonhos, principalmente nas complexas relações que integram as condições para a implementação do Mercosul em todas as áreas.

Na questão educacional, por mais que desejemos que tudo ocorra conforme almejamos, há vários entraves que vão desde questões corporativas que protegem determinados setores da educação com vistas a formação profissional, até entraves como critérios diferentes de implantação de cursos e seleção de alunos entre os países que compõem o bloco.

Imputar a culpa em único órgão não contribui para o debate. Numa rápida pesquisa na Internet vamos concluir que a Capes executa decisões do Acordo do Mercosul, do Conselho Nacional de Educação e do Ministério da Educação.

Temos uma legislação muito dura sobre o tema reconhecimento de diplomas internacionais, temos que avançar.

A única possibilidade hoje, determinada em decisão do CNE, na área do Mercosul, é para o reconhecimento de títulos por universidades brasileiras de profissionais que irão exercer atividades de docência nestas universidades.

Esse critério é decisão do CNE, parecer 106, de 2007, acatado pelo Ministério da Educação. E esta interpretação do Acordo do Mercosul é um avanço, pois até este parecer, nem para atividades de docência era possível o reconhecimento.

Em 2010 foi realizada uma Audiência Pública no Senado sobre o tema, que não gerou novos frutos até agora.

É preciso, portanto, manter a luta pela completa integração.

Criar facilitadores para a integração educacional é fundamental e só vamos conseguir isso superando uma série de entraves, muito maiores do que uma suposta visão atrasada da Capes. Se o debate no Brasil construir uma legislação capaz de constituir esta integração plena, os órgãos executores, como a Capes, cumprirão. Se esta legislação não avançar, parece óbvio que os órgãos executores a cumprirão com os atrasos nela contidos.

Este debate deve ser reproduzido pelo CNE e pelos organismos que compõem o Mercosul, como o Parlasul. O único espaço atual onde educação é debatida na institucionalidade do bloco é a RME – Reunião de Ministros da Educação. Não há atualmente no organograma do Mercosul nenhum outro subgrupo ou grupo de trabalho dedicado a Educação.

Concluindo, meu caro Mário Sérgio, não há respostas para suas perguntas. É preciso avançar muito no debate sobre a integração da educação superior no Mercosul, não somente no Brasil, mas em todo o bloco. É uma responsabilidade de todos nós, de pautar este debate. Sem isso não haverá legislação, não haverá acordos que avancem e de nada adiantará pressionar um único organismo.

Em tempo: a implantação da Unila pode ser a mola propulsora que faltava para o avanço deste debate.

*
Vereador do PCdoB em Foz do Iguaçu (PR), membro do Conselho Nacional de Política Cultural, professor e escritor.

Contexto imigratório e as cidade (3) ... recorte de gênero ...

Segundo a ONU, cerca de 58% das pessoas que migram de um país para outro são do sexo feminino. Isto implica dizer que, no processo imigratório, a presença feminina é claramente fundamental. E, obrigatoriamente, implicará também em desenvolvimento de políticas públicas e definição de projetos e orçamentos que atendam às demandas e necessidades expressas pelas mulheres. Neste sentido, a atuação internacional das cidades deve se obrigar a ter, já em primeira instância, projetar-se a partir da consideração e da visibilidade da condição feminina.

A realidade apresentada em inúmeros estudos, entretanto, demonstra que as políticas migratórias, quase em sua totalidade, padeçem da falta da análise de gênero em seus processos elaborativos. Sequer absorvem anos de ensinamentos oriundos dos movimentos feministas. Afetando inevitavelmente na incompreensão da realidade da mulher imigrante e condenando, invariavelmente, a eficácia de uma política de inclusão social e de desenvolvimento econômico e social.

Ainda que seja bastante complexa a teia de relações e motivos que levam a mulher a sair de seu país, a maioria das imigrações femininas surgiram das transformações estruturais implementadas em todo o mundo - principalmente na América Latina ao longo dos anos 1980 e 90. Tais transformações em nome do sistema neoliberal promoveram um sistemático desmonte do Estado principalmente nos países em desenvolvimento, o que provocou a quebra sistemática de inúmeras médias e pequenas empresas e a rápida elevação do desemprego nestes países. Histórica e tradicionalmente relegadas ao papel de últimas responsáveis pela atenção e cuidado familiar, com fins de subsistência familiar, uma verdadeira massa de mulheres ingressaram em definitivo no trabalho informal.

A economia informal, que já possui um teto relativamente baixo, tornou-se ainda mais limitado quando a demanda por emprego elevou vertiginosamente principalmente nos países em desenvolvimento. Com a economia informal sem condições de absorver tantos componentes, inúmeras mulheres não tiveram outra escolha senão a de migrar para outro país.

Em país estrangeiro, o perfil da mão-de-obra dessas mulheres se mantém no atendimento em trabalhos informais. Em grande volume em trabalhos relacionados ao cuidado com pessoas ou em serviços complementários aos setores estratégicos da economia (hotelaria, limpeza, etc). Acabam se tornando as imigrantes uma solução privada, de baixo valor agregado, para um problema público provocado pela histórica continuidade de inequidades de gênero em meio a rígidas estruturas patriarcais de organização social. O que cria uma realidade de ausência de inúmeros direitos para essas mulheres.

Para a paradiplomacia, principalmente nas cidades receptoras, o desafio é o de desenvolver políticas públicas que permitam o acesso ao emprego formal, o reconhecimento da mulher, e a geração de participação social especificamente feminina, além de ser pró-ativo na luta contra a violência machista. Os governos locais podem e devem considerar a diversidade de situações que vivem as mulheres imigradas no momento de elaborar suas políticas públicas, principalmente as de inclusão social, de criação de emprego, e fomento para a emancipação da mulher e promoção de sua autonomia. E tudo isto é apenas o primeiro passo.

A experiência europeia é marco geral de referência para a paradiplomacia


Quando o assunto é integração, não há quem negue o fato de que a Europa possui o que há de mais avançado e desenvolvido sobre o assunto. Ainda que se tenha inúmeros problemas e a justa crítica quanto a uma série de direitos trabalhistas e avanços sociais que acabaram sendo confrontados em nome da integração regional, é hoje no mundo um marco de referência acerca do tema. Notavelmente, tem-se um nível de integração superior ao de qualquer outra região no mundo.

Precisamente por seus resultados é que a experiência da União Europeia se tornou objeto de estudo em todo o mundo acerca de suas decisões políticas, contingências, contenciosos, e acúmulo histórico. E essa experiência toda é replicada ou criticada por todo o mundo, sempre tomando a forma da realidade local. Portanto, é a Europa referência de integração.

No que diz respeito à atuação paradiplomática, a Europa também é um marco referencial. Ainda que a América Latina tenha inovado consideravelmente na área, há um histórico construído pelas cidades que praticamente possibilitou a própria integração europeia aos moldes que conhecemos em tempos atuais.

As cidades europeias, praticamente desde 1957 (constituição da Comunidade Econômica Europeia) tiveram atuação não apenas relevante como também de protagonistas no processo de integração. E, em tempos atuais, toda conversa sobre integração regional que não leve em consideração uma atuação mais destacada das cidades revela em si uma fuga desse processo.

Primeiramente, a Europa desenvolveu uma tendência que será bastante comum em todo o mundo: o da chamada governança multinível. Trata-se, segundo Bobbio, do entendimento de que as decisões deverão ser tomadas com maior força no nível governamental mais próximo do cidadão, tendo os demais níveis em um sistema de sobreposição e negociação contínua de distribuição de responsabilidades. De acordo com essa tendência, as cidades tendem a ser os principais atores internacionais e internos, portanto decisivas para qualquer projeto de desenvolvimento e de coesão social (fundamentais para qualquer processo de integração).

Segundo, as cidades europeias promoveram uma verdadeira cultura de intercâmbio de experiências, auxílio recíproco, e verdadeiros "mutirões" de reconstrução do patrimônio humano e histórico após as inúmeras guerras e conflitos ocorridos no Continente.

Portanto, além de marco geral quando o assunto é integração regional, a Europa, seguido bem de longe da América Latina, é também para a cooperação descentralizada e para a paradiplomacia.

Por enquanto, a melhor página de R.I. municipal do Brasil é a de Salvador

Salvador tem dado inúmeras demonstrações de como é importante este segmento da administração pública investindo em sua Assessoria de Relações Internacionais. De todas as páginas brasileiras sobre o assunto oriundo dos governos locais, esta tem se destacado como a melhor do Brasil.

Veja em http://www.relacoesinternacionais.salvador.ba.gov.br/ (ou clique na imagem)

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Contexto imigratório e as cidade (2) ... apontamentos* ...

É claro que o fluxo imigratório possui um contexto pelo qual a cidade receptora deverá compreender a fim de apresentar soluções que sejam importantes em termos de estrutura social, cultural, econômica, política e geográfica para essa população. Um fluxo migratório cujo o poder central se disponibilize a auxiliar seus compatriotas em país estrangeiro é extremamente difícil devido as condições que levaram àquela população a imigrar. Entretanto, podem ser buscadas soluções que auxiliem a uma contrapartida já implantada para aqueles estrangeiros. Também, sobre esse aspecto, o governo local deverá buscar outros atores que porventura já estejam instalados no país receptor a fim de estabelecer parcerias que favoreçam os compatriotas estrangeiros.

As cidades deverão apresentar em seus relatórios o quanto já investe e atende a população imigrante a fim de buscar uma espécie de complementação por parte dos atores estrangeiros ou locais internacionais. Assim, apresentará realizações tangíveis para o desenvolvimento humano e social na cidade, favorecendo nacionais e estrangeiros igualmente ao proporcionar serviços de qualidade e de maneira indistinta a todos. Um diagnóstico das capacidades próprias e das insuficiências deverá ser alimentada a fim de estabelecer um diálogo com as partes que associarão ao município a fim de melhorar a qualidade de vida da população local para, indiretamente, melhorar a qualidade de vida dos nacionais em país estrangeiro.

Entre os governos europeus e latino-americanos há enquanto objeto constitucional atender nacionais que estejam no exterior. Trata-se de um ponto central na agenda internacional de praticamente todos os países, mas que não tem obtido maiores avanços pela via central e diplomática oficial. A cooperação descentralizada pode ser parte de uma solução para a reconhecida dificuldade em se lidar com imigrações, principalmente as consideradas ilegais.

Na Cúpula de Viena de 2006, na proposta de resolução dirigida ao Parlamento Europeu sobre uma autêntica relação entre a União Europeia e a América Latina se manifestou a necessidade de se reforçar o papel dos governos locais a fim de desenvolver políticas para o sucesso dos Objetivos do Milênio. Particularmente, a resolução ainda recomenda que, além dos interesses econômicos e comerciais, que se propiciem relações profundas de descentralização, de democratização e de colaboração no âmbito social. Uma da matérias que obteve destaque, inclusive, versava sobre a necessidade de se planejar políticas migratórias inovadoras, uma vez que o tema é central na construção das agendas internacionais para quase todos os países membros da ONU.

Na Europa há o desafio de se considerar a diversidade e a heterogeneidade das pessoas imigradas pelo que se refere a seu encaixe na dinâmica cidadã. Em um nível mais elevado de abstração, o desafio é a inclusão social. Neste sentido, já fora criado um manual que reconhece práticas e lições extraídas dos 25 Estados membros da União Europeia acerca de temas como o fomento da integração econômica ou governança da integração. Desse modo, pretende-se criar um marco europeu coerente sobre a integração de pessoas imigradas.

Na América Latina, segundo informe da ONU sobre os “Benefícios e desafios das migrações para a América Latina e o Mundo” (2006) enfatiza o benefício ao desenvolvimento econômico e social que as imigrações provocam tanto para os países emissores quanto para os receptores. Ainda mais, o informe também assinala que, uma vez que a América Latina é a região mais beneficiada pelas remessas econômicas enviadas por cidadãos e cidadãs no exterior, constitui-se assim a região que emite o maior número de imigrantes altamente qualificados, ainda que isso possa implicar perca de potencial competitivo para as próprias economias.

As imigrações internacionais figuram de modo proeminente na agenda das relações internacionais entre União Europeia e América Latina. São, em resumo, objeto permanente de estudo, discussão, e ação política. E, neste contexto, o âmbito local é apresentado como o espaço de gestão efetiva da realidade migratória, apesar de sua limitação enquanto capacidade normativa geral.


* Texto imensamente baseado na contribuição dos autores Mariel Araya e Xavier Godàs. “Migrações: um novo âmbito de cooperação entre governos locais” Observatório de Cooperación Descentralizada Unión Europea – América Latina; Colección de Estudios de Investigación. Vol. 4. Barcelona, 2008.

Contexto imigratório e as cidades (1) ... prelúdio...


É na cidade de onde o imigrante sai e para lá é também para onde ele vai. Todos os processos de adaptação são vividos independentemente de uma política central, mas extremamente vulnerável a uma política local. De maneira bastante distinta, complexa, em cada cidade há uma relação com a imigração que produzirá consequências das mais diferentes ordens – políticas, sociais, econômicas, culturais, etc. Porém, as decisões acerca da imigração estão fortemente centralizadas e os governos locais não possuem maiores possibilidades de ação ainda que haja uma forte tendência de descentralização sobre a matéria.


Com uma atuação internacional desenvolvida de maneira estratégica o município pode enfrentar tais dificuldades, nem que seja tão somente para liderar um processo de mudança social no país ou na região. Uma vez que o governo local é e deve atuar como representante mais próximo dos interesses do cidadão perante o mundo, ele pode elaborar políticas sobre a realidade de origem global e assim responder com melhorias na qualidade de vida de seus cidadãos.


O governo local poderá se destacar enquanto peça central no processo de elaboração de políticas eficazes e eficientes de gestão do processo de diversificação da vida social de sua cidade. Tornar em seu Habitué o diálogo constante com a sociedade com canais de participação e relação cotidiana com a comunidade imigrante e associações e entidades ligadas a essas comunidades. Dessa maneira, favorece o município no enfrentamento de problemas relacionados à imigração na medida em que trocas e parcerias internacionais poderão propiciar boa qualidade de vida aos imigrantes e, de maneira direta e também indireta, à população como um todo.

Paradiplomacia, cooperação descentralizada, etc... do que se trata?


Nas relações internacionais pertence ao estudo dos chamados "atores não centrais". Mas, significa muito mais do que um objeto acadêmico de estudo. Trata-se de um fenômeno emergente, dinâmico e complexo que em breve será uma realidade para os administradores públicos e para os agentes transformadores sociais. Uma prática capaz de oferecer às cidades um mundo de novas perspectivas e de modelos inovadores.

Muitos estudiosos definem este campo de atuação em um espectro amplo de ações e de atores internacionais. E, de fato, podem ser atores internacionais além do Estado, as multinacionais, as ONG, entidades do movimento social, até mesmo os pesquisadores ou uma comunidade acadêmica. Mas, este blog se debruçará sobre as cidades.

Mais do que apenas a atuação do governo local, adotando a nomenclatura mais aceita na área, neste blog serão apresentadas reflexões acerca da cidade enquanto local onde a ação internacional acontece. Em sua complexidade, em sua variedade. E, devido a minha história política, debatendo e apresentando para o mundo uma construção progressista deste trabalho.


Enfim... espero que este blog seja de imensa contribuição para área.